Uma das áreas de estudo acerca da Vida depois da Morte que temos procurado conhecer é o que diz respeito à sua projecção internacional. No último número do órgão de OPINIÃO do Centro de Cultural Espírita de Porto Alegre foram publicados conteúdos importantes que temos muita honra em referir aqui.

CIÊNCIA E ESPIRITUALIDADE Será possível reconciliá-las?

Grupo de intelectuais norte-americanos aposta na possibilidade da reconciliação entre ciência e espiritualidade, um sonho que foi também de Allan Kardec.

Materialismo e Fisicalismo: diferentes faces de um mesmo tema Nos dois séculos que se seguiram ao de Allan Kardec, parece ter-se consolidado entre psicólogos cognitivos, neuro-cientistas e filósofos o chamado “fisicalismo”. Kardec teve como objectivo prin­cipal em sua obra contrapor-se ao “materialismo”. Mais de 160 anos depois, a cultura académica é dominada pelo chamado “fisicalismo”. Ou seja: toda a realidade é determinada exclusivamente por factos fí­sicos e as criaturas humanas são vistas tão somente como máquinas biológicas de extrema complexidade. Para os padrões científicos ora adoptados, todos os aspectos da mente e da consciência humana são gerados pelos processos neuro-fisiológicos que ocorrem no cérebro. Nessa visão, a consciência nada mais é do que um epifenómeno desses processos neuro-fisiológicos. Surge, no entanto, importante re­acção de um grupo de cientistas norte-americanos a essa posição das ciên­cias académicas.

Edward F. Kelly

Em artigo publicado no periódico britânico “The Observa­tory”, com o título de “Rumo à Reconciliação da Ciência e Espiritualidade: Uma Breve História do Projeto “SURSEM”, Edward F. Kelly, Professor do Departamento de Psiquiatria e Ciências Neuro-com­portamentais descreve o movimento desencadeado por cerca de 50 cien­tistas da área, desde 1998, para mudar os conceitos acima expostos. Kelly é autor de obras como Irreducible Mind: Toward a Psychology for the 21st Century (“A Mente Irredutível: Rumo a uma Psicologia para o Século 21”) e Beyond Physicalism: Toward Reconciliation of Science and Spirituality (“Além do Fisicalismo: Rumo à Reconcilia­ção entre Ciência e Espiritualidade”). O grupo defende ter chegado a hora de derrogar a “arrogância” acadêmica que desprezou toda a sabedoria e a experiência coletiva acumulada pela humanidade, a qual sempre viu na espiritualidade uma fonte de conhecimentos que não podem ser menosprezados pela ciência atual.

Michael Murphy

O Projeto “SURSEM”, por eles criado no INSTITUTO ESALEN, se cons­tituiu numa série de eventos que reuniu, sob a liderança de Michael Murphy, neurocientistas, psiquiatras, filósofos, físicos e historiado­res para avaliar as provas empíricas da so­brevivência humana à morte corporal, suge­rida, segundo o grupo, por fenómenos como experiências de quase morte e fora do corpo, experiências místicas, fenómenos psíquicos e crianças que se lembram de vidas anteriores. No artigo de “The Observatory”, Edward Kelly sustenta que um dos grandes de­safios da modernidade é “reconciliar, de ma­neira aceitável, inteligível, significativa e re­conhecível, ciência e religião”. O artigo pode ser baixado em versão para o português no site: http://www.mentealemdocerebro.com.br/.

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A experiência de um brasileiro

O filósofo e historiador das ciências Gustavo Rodrigues Rocha, Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA), que, em seu pós-doutoramento na Universidade da Califórnia, em Berkeley, EEUU, escolheu como estudo de caso o Projeto SURSEM, foi recentemente entrevistado na reportagem A mente além do cérebro e a busca pelo sentido do mundo, do jornal “O Tempo”, de Belo Horizonte. A matéria pode ser lida neste site: https://www.otempo.com.br/interessa/a-mente .

Para Gustavo, o Projecto SURSEM, reunindo esses intelectuais norte-americanos, trabalha no contexto do sistema académico-científico contemporâneo, com base na tese segundo a qual a mente não pode ser reduzida unicamente ao funcionamento do cérebro. Segundo ele, o grupo SURSEM caminha no sentido de “apresentar provas experimentais e teorias que afirmam que a consciência não depende do cérebro e, nessa ordem de ideias, “algo de nossa mente sobrevive à morte corpórea”.

O professor brasileiro diz nunca ter encontrado “um grupo de académicos de tal envergadura, com uma construção tão sólida e consistente, decididos a enfrentar, numa perspectiva multi e trans-disciplinar, questões tão avançadas do actual sistema de saberes”.

PRENÚNCIOS DA ERA DO ESPÍRITO?

Parece mesmo mais adequado designar a posição dominante entre os cientistas como “fisicalismo” em vez de “materialismo”. Entre eles há professores em Universidades religiosas. Outros tantos trabalham em instituições públicas, mas têm crenças religiosas. Muitos não se definem como materialistas e vivem essa dicotomia: enquanto cientistas, adaptam-se aos padrões vigentes, onde é praticamente vedado atribuir quaisquer actividades da mente humana a causas extra cerebrais. O “espírito” ou a “alma”, para eles, são abstracções que não se aplicam à condição humana. Fazem parte do mistério do sobrenatural e não podem ser objecto de uma abordagem racional e científica. O grupo do Projeto SURSEM declara-se composto de “pesquisadores de mentalidade científica com amplos e variados interesses”. Definem-se como “espiritualizados, mas não religiosos, no sentido convencional”. Sem se filiar em qualquer crença religiosa específica, dizem-se “ancorados na ciência”, e desejam “ampliar os seus horizontes”. Identificam o cenário actual como palco de dois fundamentalismos: o religioso e o científico, e assim, propõem “uma via intermédia” entre ambos. É fácil identificar tais propósitos com os que foram expostos por Allan Kardec, ao fundar o espiritismo. Sem querer fazer dele uma nova religião, propunha explicitamente estabelecer uma “aliança entre a ciência e a religião”, apresentando o espiritismo como o “caminho neutro” a possibilitar essa aliança.

O tempo de Kardec, onde parte da ciência académica admitia o “espiritualismo racional”, era bem mais propício a esse objectivo.

Daí o optimismo presente na obra de Kardec. O século XX, porém, parece ter preferido trilhar o caminho “fisicalista”, atribuindo ao cérebro humano a inteira capacidade de gerar os processos mentais, aprisionando, assim, o espírito nos limites da fé religiosa, onde, aliás, os próprios espíritas preferiram, em maioria, se refugiar. Menos mal que há reacções, vindas do próprio meio científico, que podem estar gestando um novo tempo: a Era do Espírito, sonho de Kardec e daqueles que bem o compreenderam.

Redacção de CCEPA OPINIÂo